Quando o assunto é queima de gordura, esta é sem dúvida, uma das perguntas mais freqüentes entre os praticantes de atividade física. Para alguns, a atividade aeróbia em jejum pode ser a melhor maneira de perder peso; para outros, uma atividade extremamente prejudicial. Entre estas duas vertentes, há ainda um terceiro grupo: aqueles que se encontram em cima do muro, sem saber ao certo se a prática de fato funciona ou não.
Antes de tudo, precisamos esclarecer alguns pontos para estabelecermos a discussão. Por exemplo: 1) Em que estado fisiológico e nutricional se encontra o individuo em questão? 2) Qual a intensidade adotada neste tipo de prática? 3) Deve haver um condicionamento prévio para a prática? Vamos tentar elucidar estas questões através da compreensão da nossa capacidade bioenergética.
Comecemos pela idéia de que para realizar trabalho, é preciso energia. Esta fonte de energia pode ser proveniente de três grandes fontes: Carboidratos, Proteínas e Lipídeos. Note que estas fontes de energia são utilizadas de acordo com o status metabólico do indivíduo: Repouso ou atividade, oferta ou privação de nutrientes, presença de treinamento prévio ou não etc.
Sabemos que durante o repouso, a maior fonte de energia para suprir as atividades vitais advém da oxidação das gorduras (cerca de 66% da contribuição energética), enquanto os carboidratos desempenham um papel secundário (cerca de 33%) e as proteínas ficam em último lugar, representando apenas 1% do valor total. Observe que esta divisão percentual indica uma pessoa saudável e bem-nutrida. Alguns fatores podem mudar drasticamente estes números (diabetes melito, stress, disfunções hormonais, estados de carência nutricional etc.)
LIMIAR DE LACTATO E LIMIAR ANAERÓBIO
Quando iniciamos qualquer atividade, automaticamente esta solicitação se altera e passamos a utilizar preferencialmente carboidratos em vez de gorduras. No nosso organismo, estes carboidratos encontram-se estocados no glicogênio contido no fígado e músculos. De acordo com a intensidade. esta contribuição glicolitica tende a ser maior ou menor, sendo diretamente proporcional a demanda. Em outras palavras, todos os substratos continuam a fornecer energia, porém quanto maior a intensidade e solicitação imediata do exercício, maior a contribuição do metabolismo do carboidrato. O que isso quer dizer? Ora, sendo a solicitação imediata e intensa, serão recrutadas as fontes de energia mais prontamente disponíveis. Estas fontes são o sistema ATP-CP e glicólise anaeróbia. Tais fontes são limitadas e levam rapidamente a fadiga, porém ainda assim não trabalham única e exclusivamente. A diferença é que elas passam a ser a fonte prioritária de energia, produzindo grande acidez que não consegue ser compensada pelo metabolismo aeróbio. Para determinar estes pontos, foram criadas duas zonas que distinguem a predominância dos metabolismos anaeróbio e aeróbio. Dá-se o nome de limiar de lactato (ou limiar 1) onde há aumento da participação do sistema anaeróbio, porém ser comprometer o sistema aeróbio. No ponto onde o a contribuição de energia passa a ser predominante do sistema anaeróbio dá-se o nome de limiar anaeróbio (limiar 2). A faixa que compreende estes 2 pontos denomina-se Faixa de Compensação Ventilatória. Significa dizer que a partir deste ponto a produção de lactato (proveniente do predomínio do metabolismo anaeróbio) não pode ser mais compensada, gerando assim acidez metabólica e produzindo a fadiga. Note que quanto mais treinado o individuo, mais distante estarão estes limiares, e por conseguinte, será maior a predominância aeróbia.
Deve-se então ajustar a intensidade do exercício, para que não ultrapassemos estes limiares, especialmente o limiar anaeróbio, onde a oxidação das gorduras é mínima. Como modular esta intensidade? Uma das melhores maneiras de fazer isto é controlar os batimentos cardíacos. Verificar a freqüência durante o exercício é uma das formas mais fáceis de controlar a intensidade. Freqüências acima de 75% a 80% da máxima não são ideais para o metabolismo aeróbio. A faixa ideal seria algo em torno de 65% a 75% da Fc máx. Observe no gráfico abaixo a diminuição da utilização de gorduras a medida que se aumenta a intensidade do exercício.
AUMENTO DO VO² MAX. E DOS LIMIARES
Porém, de uma forma ou de outra, mesmo assim os carboidratos ainda serão a maior fonte de energia nos momentos iniciais do exercício aeróbio, pois eles também são oxidados neste tipo de metabolismo. Depois de um certo tempo de duração, é que a contribuição das gorduras passará a ser predominante. Esta variação de tempo tende a ser maior para destreinados, o que reforça a melhor utilização de gorduras pelos indivíduos treinados. Desta forma, percebe-se a importância do condicionamento prévio para otimizar a oxidação dos ácidos graxos no exercício aeróbio. Uma das formas de melhorar este condicionamento seria iniciar sua preparação com inclusão de aeróbios realizados em outro período do dia, e não em jejum. Note que a intenção é promover uma melhora na capacidade ventilatória e assim tornar mais eficiente o sistema oxidativo. Esta é a razão de toda essa explicação prévia. Você deve se CONDICIONAR para otimizar a utilização da gordura como fonte de energia.
AMINOÁCIDOS E OFERTA DE ENERGIA
Aminoácidos também podem ser utilizados como fonte energética para atender a demanda do treinamento aeróbio, mas sua participação está intimamente relacionada com o estado nutricional do individuo, bem como seu balanço nitrogenado (índice que indica perda de uréia como sinal da quebra de aminoácidos). Durante o jejum prolongado, ocorre um processo no tecido muscular denominado transaminação, onde os aminoácidos são convertidos em um outro aminoácido especifico, a alanina. Este migra através da corrente sanguínea até o fígado, onde sofrerá um processo chamado desaminação. Após esta reação, o que sobrou de sua cadeia carbonada é convertido em glicose para reestabeler a glicemia ou simplesmente para atender a necessidade energética da musculatura especifica, enquanto o resto é excretado na forma de uréia. Excreção de uréia, como mencionado acima, pode ser indicativo de CATABOLISMO muscular. Este processo pode atender até 15% da necessidade de energia. Alguns autores sugerem que sejam suplementados aminoácidos antes da atividade aeróbia em jejum, BCAAs por exemplo.
RESTRIÇÕES DE CARBOIDRATO E QUEIMA DE GORDURA
Estudos demonstram que dietas com restrições de carboidrato podem contribuir para um aumento da utilização de lipídeos como fonte energética, através do incremento da secreção de hormônios lipolíticos como glucagon, cortisol, adrenalina e GH. Este quadro é influenciado pela diminuição da secreção de insulina, favorecendo a ação da lipase sensível a hormônio (responsável pela quebra do triglicerídeo). Entretanto, esta restrição não deve ser tão severa a ponto de se cortar COMPLETAMENTE os carboidratos da dieta. Caso isto aconteça, haverá produção deficiente de oxaloacetato (desencadeador do ciclo de Krebs) e poderá haver formação de intermediários do ciclo através de aminoácidos e cetoácidos, gerando mais uma vez catabolismo. Neste caso, seria interessante atentar a restrições programadas de carboidratos e oscilações nas ofertas. Para entender melhor, leia o artigo Dieta pré-competição: segredos e truques.
CONCLUSÕES FINAIS
Afinal, o exercício aeróbio em jejum é ou não uma maneira eficaz de queimar gorduras? Embora alguns autores ainda relutem quanto a eficácia desta pratica, uns advogam que é um poderoso recurso para acelerar a lipólise. Ao que tudo indica, pode sim ser uma aliado poderoso na luta contra as gorduras. Entretanto, devemos atentar para as questões abordadas no decorrer deste artigo e observar as variáveis que podem contribuir para esta estratégia ser realmente produtiva. LEMBRE-SE: não levante num belo dia e comece a fazer aeróbios em jejum porque ouviu fulano comentar na academia ou porque leu na revista que determinado atleta se beneficiou deste recurso. É necessária toda uma programação quanto ao treinamento e ao plano alimentar e uma completa adaptação metabólica para que a coisa possa realmente funcionar. Portanto, pesquise bastante… e na dúvida, pesquise mais ainda!
REFERÊNCIAS:
Achten J, Gleeson M, Jeukendrup A. Determination of the exercise intensity that elicits maximal fat oxidation. Med Sci Sports Exerc 2002;34:92-97.
Achten J, Jeukendrup AE. Maximal fat oxidation during exercise in trained men. In J Sports Med 2003;24:603-608.
Auer¸ R. N. Progress review: hypoglycemic brain damage. Stroke¸ v. 17¸ n. 4¸ p. 699-708¸ 1986.
Bennard P, Doucet E. - Acute effects of exercise timing and breakfast meal glycemic index on exercise-induced fat oxidation.Appl Physiol Nutr Metab. 2006 Oct;31(5):502-11.
Bock¸ K.; Richter¸ E. A.; Russel¸ A. P. et al. Exercise in the fasted state facilitates fibre type specific intramyocellular lipid breakdown and stimulates glycogen resynthesis in humans. J Physiol¸ v. 564¸ n. 2¸ p. 649-660¸ 2005.
Curi¸ R.; Lagranha¸ C. J.; Procopio¸ J. Ciclo de Krebs como fator limitante na utilização de ácidos graxos durante o exercício aeróbico. Arq Bras Endocrinol Metab¸ v.47¸ n.2¸ p. 135-143¸ 2003.
De Courten-Myers¸ G.; Hwang¸ J. H.; Dunn¸ R. S.; Mills¸ A. S.; Holland¸ S. K.; Wagner¸ K. R.; Myers¸ R.E. Hypoglycemic brain injury: potentiation from respiratory depression and injury aggravation from hyperglycemic treatment overshoots. J Cereb Blood Flow Metab¸ v. 20¸ n. 1¸ p. 82-92¸ 2000.
Klein, S., E.F. Coyle, and R.R. Wolfe (1994). Fat metabolism during low-intensity exercise in endurance-trained and untrained men. Am. J. Physiol. 267 (Endocrinol.Metab. 30): E934-E940.
Montain, S.J., M.K. Hopper, A.R. Coggan, and E.F. Coyle (1991). Exercise metabolism at different time intervals after a meal. J. Appl. Physiol. 70(2):822-888.
Pacy¸ P. J.; Barton¸ N.; Webster¸ J.; Garrow¸ J. S. The energy cost of aerobic exercise in fed and fasted normal subjects. The American Journal of Clinical Nutrition¸ p. 764-768¸ 1985.
Phinney, S.D., Bistrian, W.J. Evans, E. Gervino, and G.L. Blackburn (1983).The human metabolic response to chronic ketosis without caloric restriction: preservation of submaximal exercise capability with reduced carbohydrate oxidation. Metabolism 32:769-776.
Romijn, J.A., E.F. Coyle, L.S. Sidossis, A. Gastaldelli, J.F. Horowitz, E. Endert, and R.R. Wolfe (1993). Regulation of endogenous fat and carbohydrate metabolism inrelation to exercise intensity and duration. Am. J. Physiol. 265 (Endocrinol. Metab. 28): E380-E391.
Wahrenberg H, Lönnqvist F, Hellmér J, Arner P. Importance of beta-adrenoceptor function in fat cells for lipid mobilization. Eur J Clin Invest. 1992 Jun;22(6):412-9.
BONS TREINOS E ATÉ A PRÓXIMA!!!
Tweet
8 comentários:
Otimo Artigo!
Esse é meu mestre!!! Excelente artigo, Madil!! Que sirva de entendimento para os menos esclarecidos que realmente não tem acesso a esse tipo de informação ou para aqueles que não procuram aprimorar seu conhecimento por opção própria!!!
Karina Militão
Madil, sou seu fã. Abç
site ta cada vez melhor!
parabens!
Big Boylan,
The great master Blaster....
Boylan = monstro hipertrofiado.
Abs
PARABENS PELO ARTIGO.SUGIRO INCLUIR REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS
Gente, só digo uma coisa, eu estudo Esporte/Educação Física na USP e o que a gente mais estuda é o comportamento humano durante a atividade física, inclusive a influência da alimentação no desempenho e na saúde do praticante. E é um princípio básico de que não deve-se praticar atividades físicas em jejum, principalmente se seu objetivo for a perda de gordura, pois não há oxidação de lipídeos (gordura) sem a queima de carboidratos, que é limitada no corpo, portanto deve-se sempre comer carboidratos (como pão branco, por exemplo) antes da prática para que primeiramente não passe mal pela falta de substratos energéticos e sengundo para a utilização da gordura como substrato. Basta pegar qualquer livro fisiologia da atividade motora que tem uma explicação mais detalhada que não dá para explicar aqui nesse espaço.
Diego, uma das coisas que eu mais faço é estudar. Sou graduado em Educação Física e pós graduado em Nutrição e Exercício Físico e além disso, tenho larga experiência no assunto. Você não pode, de forma alguma, generalizar desta forma esta situação metabólica. É por esta razão que escrevi no artigo que não é qualquer indivíduo que pode se beneficiar desta prática. De fato, o carboidrato fornece a "ignição" para queima da gordura (quanto à isto, não há dúvida alguma, inclusive está no texto), mas você deve considerar que os estoques de carboidrato não se depletam completamente; você não inicia o exercício em plena oxidação de ácidos graxos - sempre há reserva disponível de glicogênio, tanto muscular quanto hepático. Quanto a isto, não há discussão: carboidrato fornece oxalacetato para iniciar o ciclo de krebs e, obviamente, iniciar a oxidação completa da glicose ou da gordura. Como você deve saber, a maior requisição durante o repouso advém dos ácidos graxos, logo atividades em BAIXA a MODERADA intensidade são mais predominantemente oxidativas que as de ALTA intensidade. Obviamente, a capacidade energética e ventilatória do indíviduo influirão de maneira substancial. Em outras palavras, quem é mais condicionado sempre utilizará PROPORCIONALMENTE mais gordura como substrato energético. É óbvio que, qualquer atividade de ALTA intensidade, INDEPENDENTE do condicionamento do indivíduo, sempre será GLICOLÍTICA, ou seja, à base de carboidratos, e sem dúvida será muito mais catabólica para o tecido muscular que para a gordura (praticamente nem se utiliza gordura nestas situações), pois os aminoácidos teciduais é que fornecerão energia para formar glicose (ciclo glicose-alanina) ou acetil-Coa (reações anapleróticas para o ciclo de Krebs) - ISTO SOMENTE SE SUA BIOENERGÉTICA FOR EFICIENTE, POIS O MAIS PROVÁVEL É OCORRER HIPOGLICEMIA, POIS A DEMANDA DE ENERGIA SERÁ MUITO ALTA. Quanto ao PÃO BRANCO que você sugeriu, poderá até mesmo ACELERAR a hipoglicemia, por apresentar ALTO ÍNDICE GLICÊMICO - provavelmente o indivíduo experimentará uma hipoglicemia conhecida como pós prandial ou de rebote. Há estudos que demonstram o IG do pão branco equivalente ao do açúcar de mesa!!! Em relação à leitura, sugiro que você, além dos livros (também consulto vários livros de FISIOLOGIA DO EXERCÍCIO, NUTRIÇÃO E METABOLISMO) que utiliza como referência, atualize-se também por artigos científicos. Você deve saber que, no ambiente acadêmico, os artigos sempre terão um peso muito maior como referência que os livros, pela rigor exigido em suas publicações. Adicionarei as referências ao texto e posso inclusive disponibilizá-las a você ou quem interessar para fim de aprofundamento. Um forte abraço, obrigado pela discussão e lembre-se: não engesse conceitos!
Postar um comentário